Marina Garrido Monteiro fala sobre a Aclimação

15/10/1992 | Museu da Pessoa
Parte da entrevista com Marina Garrido Monteiro. Projeto Memória Oral do Idoso; Entrevistadoras: Valéria e Rosa. Fonte (Texto e imagem): Museu da Pessoa
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Vamos falar um pouquinho da sua infância. Você falou que nasceu na Aclimação.

É, eu morei na Aclimação muitos anos, praticamente minha vida toda e eu morei pegado mesmo ao Jardim da Aclimação. A divisa era uma cerquinha de taquara sabe de bambuzinho assim. A gente tinha um buraquinho onde eu passava. Tinha a lavadeira da mamãe, uma senhora espetacular, a dona Inácia que muita coisa boa me trouxe de ensinamentos, e de bondade, ela que me salvava, apesar de ser filha única que eu apanhei demais, porque era muito levada, ela que muitas vezes me salvou de não levar uma surra maior.
Marina Garrido Monteiro
E ela tinha nove filhos, brinquei muito com eles. Foi uma infância linda, maravilhosa, de muita brincadeira. E o Jardim da Aclimação, na época que eu morei lá tinha, era um mini-zoo. Então tinha também os animais, tinha macaco, arara, ursos, é leões, um leão, duas leoas, tinha jacaré, tinha um mundo de coisa. Pelicanos, jaburu, umas aves bonitas, papagaio, tudo isso. E tinha uns macaquinhos que eram muito mansinhos que a gente brincava com ele, e como filhinho, a gente fazia misérias com ele, vestia aquele macaquinho, era muito gozado. Quer dizer eu tive uma infância maravilhosa, de jogar futebol, bolinha de gude, muito pegador. Eu tive uma infância linda, eu apesar de ser filha única, eu tive a felicidade de ter amigos maravilhosos eu, mesmo na minha juventude, na minha mocidade, sempre tive gente muito boa perto de mim. Não fiquei melhor porque era peste mesmo, mas sempre gente muito boa. Então eu tive sempre, sabe, minha a família do meu pai era também muito alegre, uns espanhóis, minha avó ficou viúva com seis filhos, e o menorzinho tinha, tinha meses e o mais velho tinha oito anos. Quer dizer, que foi uma tragédia quando ela ficou viúva, mas ela sozinha, numa miséria desgraçada, meu avô ficou doente, perdeu tudo, ela soube levantar, criar todos os filhos e sempre com muita alegria. Eu nunca ouvi minha avó dizer: hoje eu estou triste. Nunca. Quer dizer, que eu sempre fui criada num ambiente de muita alegria, sabe? A família sempre muito alegre, muito feliz, muito cantando, é brincando, minha mãe também cantava, tocava violão, tocava piano, quer dizer, foi de muita música, meu avô por parte de mãe tocava bandolim. De muita música, gostava de ópera, músicas italianas, espanholas. Quer dizer que foi um ambiente muito gostoso, de muita música, muita alegria, muita amizade, sabe.

E a vizinhança?

Ótima, ótima, ótima. Gente muito boa, muito boa. Sempre, nunca tivemos problema nenhum que eu me lembre assim, minha mãe, nunca, com vizinho nenhum. Todos muito amigos. Como eu disse pra você, a dona Inácia que era nossa, morava perto de casa, que o marido dela trabalhava no Jardim da Aclimação, era varredor, ela me salvava né? Eu também tinha uma senhora ali em frente, ali na rua Topázio onde eu morei e em frente, esquina com a Avenida Aclimação, era bem em frente de casa e ela também me salvava. Muitas vezes mamãe queria me matar um pouco de tão levada que eu era e ela também me salvava, as amigas eram muito boas. Eu estudei ali na Aclimação, mas era ótimo. Bom, eu tenho uma amiga, que eu tenho, conservo ainda amizade. Eu estou com cinqüenta e nove anos, vou fazer sessenta, desde os quatro anos sou amiga dela, e continuamos amigas. Minhas amigas todas, desde o ginásio, de onze anos, quando eu tinha onze anos, eu entrei no ginásio, eu ia fazer, eu tenho as amigas até hoje. Nós, muitas vezes não nos visitamos, mas batemos um telefone, qualquer problema que a gente tem, a gente, nós nos comunicamos, uma dá apoio pra outra. Ótimas. Eu já falei, eu sempre, graças à Deus, estive sempre rodeada de gente muito boa, mas boa mesmo. Então eu não senti falta de irmão, irmã, de nada disso. Sempre muita festa. Tinha as festas...

E as festas?

Ah, era uma delícia. Minha família era muito festeira, minha mãe era muito festeira. O meu batizado, eu fui batizada com nove meses eles, me contam que durou três dias. Meu casamento..., quando fiz quinze anos também, durou dois dias. Meu casamento é... Eu casei no dia primeiro de setembro de cinqüenta e dois, no civil e no religioso dia três. Até o dia cinco estavam em casa fazendo festa. Quer dizer que a mamãe ia ficar sozinha, e por causa da desculpa então ia... Sempre foi muito gostoso. Meu casamento... Quer dizer que as festas nunca acabavam assim, sabe, como toda festa termina. A minha sempre tinha um pouco de continuação, sempre continuava. Foi muito gostoso. E as festinhas eram uma delícia, naquela época não tinha perigo nenhum. Eu comecei a ir em festa, que eu adorava dançar, que no casa da vovó, tudo era motivo pra dançar, sabe. A gente dançava, cantava, recitava, fazia tudo. Então nas festinhas, o meu primo, que era a paixão da minha vida, o sobrinho do meu pai, que era o único na época, que agora tem mais um, mas na época era o Cadinho, era a coisa mais linda. Me senti tão importante porque ele já era moço e eu tinha treze anos. Foi a primeira festa. Foi ali na Rua José Getúlio, eu não esqueço. É. Foi dada esta festa no hall de entrada que era todo de mármore, de branco e preto. Foi lindo, foi maravilha sabe. Eu me sentia a pessoa mais maravilhosa do mundo e eu era horrorosa, mas naquele dia eu estava linda, eu me sentia a maravilha, sabe. Porque foi a primeira vez assim que eu dancei com gente fora da família. Foi muito gostoso, esse baile foi o primeiro e foi o mais maravilhoso do mundo prá mim. E o meu primo que me levou, o Cadinho, que me levava também naquela época, quando eu era menor, deixa eu contar que também é bom, não se a turma já contou. Mas tinha a sessão zigue-zague, no Santa Helena que foi demolido agora, ali, ali na Praça da Sé. Um prédio onde vários pintores trabalhavam ali, tinham ateliê e tudo. Pegado ali, ali em frente à catedral, do lado esquerdo. Um prédio muito bonito, Santa Helena se chamava. Tinha um cinema também Santa Helena, ali em baixo. E nesse cinema passava o zigue-zague, era como se chamava a sessão, então passava aqueles desenhos, às vezes passa na televisão esses desenhos antigos. Então eu também ia nesses desenhos. E só. Quando eu ficava de castigo, o castigo, além da surra, minha mãe dizia: então você vai ficar um mês sem ir ao cinema, e aí eu não ia, minhas primas iam, meu primo levava a gente. Ele era um amor de pessoa. Até hoje, ele é um doce de gente. E ele levava sabe, a meninada toda. E a gente tinha de se comportar, senão ele levava, aquela história toda. E foi muito também isso, desde pequena, que eu tinha o que? Quatro, cinco anos a gente já ia ao cinema, assistia essas sessões de zigue-zague e tudo. Que mais?

Quando a gente estava conversando antes, você disse que você nasceu em casa ...

Ah sim, em casa.

Então naquela época ...

Era comum...

...não tinha médicos, né?

Não, tinha, tinha, tinha.

Não com a facilidade igual hoje em dia.

Não, tinha sim, por sinal médicos muito bons, excelentes, sabe? Mas ah, mas parto era uma coisa que se resolvia em casa, com parteira. Quando ia, única de nossas primas, nós somos um bocadinho de primas, única foi a Mara Lúcia, que foi a última, que é caçula tem quarenta e tantos anos, mas é a caçula da turma do papai, que foi prá maternidade. Foi...

As outras...

Todas, existe na Lins de Vasconcelos. Hospital não sei lá azul, uma coisa assim, um nome assim. Cruz Azul, parece, uma coisa assim. Que ela foi a única que nasceu bem depois, já tinha uma certa idade, porque todas nós nascemos em casa, era normal, sabe. Era uma prática normal, é corriqueira, corriqueira, não tinha nada extraordinário não.

Uma outra coisa que era mais ou menos corriqueiro, era as pessoas se utilizarem muito de chá, tomarem menos remédio, por exemplo, irem menos à farmácia do que hoje, né.

É. Não, mas aí não sei, não sei, pelo menos na minha família, médico tinha o médico da família que acompanhava, depois que a gente nascia, o médico acompanhava tudo. Acompanhava tudo. Acompanhava desde vacina, isso a gente tomava vacina, acompanhava todo mês, levava mamadeira, mamãe não tinha leite sempre fui acompanhada por médico, dá leite. Tudo isso era normal. Médico, sim acompanhando, né, pediatra tinha. Ele acompanhava a gente até se Deus quiser a gente morrer e acompanhando. E tinha além disso o médico da família, que era clínico geral, que hoje em dia tá terminando. E esse médico, também ele era, mas ele fazia poções, era manipulado o remédio. Não é assim, você chega e diz: olha, vai tomar tal remédio, você pega três pilulinhas. Não, ele fazia, porque ele conhecia seu organismo. Então ele sabia a dosagem que você precisava de determinada é medicação, entendeu. Não era, feito assim de qualquer jeito, nós tínhamos além disso, os farmacêuticos, que não é como agora, vendedor de remédio, era o farmacêutico, meu sogro era farmacêutico mesmo, formado em... Belo, não em Minas Gerais, Ouro Preto, Ouro Preto, que eu tenho até o diploma dele, com a medalha, tudo, que ele formou com louvor. Eram farmacêuticos. Então os farmacêuticos, eu tinha um farmacêutico, eu não me lembro o nome dele, Doutor Soragel e tinha o farmacêutico que ele também era praticamente um médico. Ele resolvia muita coisa, a única coisa que ele não podia era operar, mas, por exemplo, se era um furúnculo, ele arrebentava, sabe, ele tirava, um curativo ele fazia, e muitíssimo bem, às vezes, às vezes, melhor que o próprio médico porque era o dia a dia dele. Então não, nós sempre tivemos esse acompanhamento de médico na nossa família, pelo menos sim. Agora, uma dorzinha de estômago, ah não, a gente tomava um chá de erva cidreira, erva cidreira não, ah... camomila sabe. Isso tudo a gente conserva até hoje, se você vê, a gente conserva alguma coisa. Agora medicamento mesmo, eu fiquei doente, com sete anos eu tive bronquite e aí eu me tratei com homeopatia, sabe? Lá em casa também não eram muitos dados com remédio, injeção , essas coisas não, só em último... Graças a Deus também, a gente teve uma boa saúde e não tava precisando de muita coisa. Mas não tinha essas mesinhas como a gente faz não. Nós tínhamos o médico da família e esse bendito farmacêutico que era fabuloso, ele fazia maravilhas com a gente.

É, você já mencionou seu casamento que foi de festas e tal.

Três dias.

Conta um pouquinho como que você conheceu teu marido como é que foi?

Você deve perceber que eu adoro falar. Gosto, gosto, minha vida é falar, não mal dos outros, mas eu falo. Então, é porque falar mal dos outros, eu não sou de falar mesmo. Mas falar eu acho que é uma delícia, eu, eu desabafo muita coisa que eu guardo, e tudo é falando E... na minha época era o máximo a gente passar trote pelo telefone. E uma minha amiga tinha, ah..., aliás a sobrinha até da minha tia telefonou prá mim e disse: ih Marina aquela classe prá passar trote eu era ótima. Marina, eu conheci um rapaz que é ótimo estudante de direito e não sei que, é maravilhoso, telefona pra ele e você vai ver, você vai adorar. Ah, tudo bem, me deu o telefone, Castrinho era o nome dele. Castro não era sobrenome, mas a gente chamava de Castrinho, sabia porque?. Porque era um nanico como eu. Aí eu telefonei e fiquei falando, mas anos, fiquei mais de ano falando com esse moço pelo telefone sem encontrar. Era ótimo, foi uma época que eu estava com treze pra quatorze e ele já estava, estudava direito. Ele era amigo do meu marido, mas eu não estava sabendo, eu falava só com ele. O Carlos trabalhava, então ele estudava, ficava mais tempo em casa, então eu batia mais papo com ele. E foi ele que me deu muita abertura. Então ele dizia, ele mandava eu, por exemplo, Machado de Assis. Ele pedia pra eu ler tal livro, eu lia, depois nós debatíamos. Era uma conversa seríssima. Não era brincadeira não. Aí ele dizia daquele livro, conversava daquele livro e tudo. O que eu achava, o que eu não achava. Menina, muitas vezes eu comecei a ... a enxergar mais as histórias que eu estava lendo por intermédio dele, como mais velho, ele tinha mais tarimba então ele ia me dizendo e ia vendo mais. Então foi uma... um ano maravilhoso que ... veja, eu sempre gostei muito de ler. Com ele então era uma maravilha que eu, apesar de ter muita opinião eu ainda tinha opinião dos outros. Quer dizer excelente prá mim